terça-feira, 27 de maio de 2008

"A terceira margem do rio" parte 2

Também em “A terceira margem do rio” a matéria da tragédia é a condição humana, que conduz os demais elementos do conto. Os outros; a filha, já casada e agora com um bebê, o irmão e por fim a mãe, desistem, fogem, refugiam-se em outras cidades, mas o filho narrador permanece. A ausência preenche toda a vida deste filho. “Eu permaneci, com as bagagens da vida” [...] “Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos.” (p.29) Para os familiares que se foram para outros lugares a estranheza pode ter sido domesticada, atenuada, afastados que se puseram daquela presença/ausência incômoda. Podem ter integrado, da maneira possível, o drama familiar nas próprias vidas, mitigando a dor e a incompreensão. “A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade.”(p.29)
Não há, todavia, nem consolo, nem luto e nem esquecimento para este filho, pois o morto em vida é insepulto e as perguntas continuam sem a resposta apaziguadora. Ao invés da clareza de um diagnóstico se põe a obscuridade do enigma que barra qualquer tentativa de significação renovadora. Só há o silêncio da permanente lembrança, os não-ditos, as suposições, agora já esmaecidos. Pelo cansaço já não se busca o entendimento mas, uma acomodação, sempre marcada pelo desconforto, torna-se concreta.
Considerando que o mundo cultural humano é constituído de convenções simbólicas, na busca de explicações de significados, a racionalidade criou lógicas binárias. Ou se é, ou não se é, e uma terceira possibilidade é excluída. Dentro desta lógica as coisas e ações passam a ser classificadas como pertencentes ou não pertencentes Mesmo quando os marcadores que as delimitam não estão concretamente presentes, a eficácia simbólica já está estabelecida e prescinde desta concretude.
Assim, se estabelecem as fronteiras, sejam elas físicas, como as aduanas, de um país para outro, levantar muros para circundar as residências, definir lugares diferentes destinados a alimentação e dejetos; quer sejam elas fluidas, como a proibição de penetrar num dado recinto destinado a um ritual, tocar um objeto sagrado, tirar os sapatos para entrar em alguns lugares, lavar-se após vir de um enterro... Diante de tais valores, expressos nos comportamentos humanos e variados de cultura para cultura, deparam-se, os humanos, no entanto, com dificuldades. Toda vez que se estabelecem categorias elas comportam algumas coisas e excluem outras. A questão é o que esta divisão determina. Se a lógica é binária, aquilo que é excluído precisa se integrar em outra categoria. Mas, e quando algum elemento não é totalmente excluído nem integrado? Ou quando ameaça ocupar dois lugares ao mesmo tempo? Quando se comportam como polivalentes e desafiam o sistema classificatório? As linhas das classificações podem até apresentar uma certa flexibilidade mas, não pode afrouxarem-se em demasia sem correr o risco de se desfazem e tornar a classificação caótica e inútil.
Os exemplos vão ao infinito, mas podemos enumerar alguns. Os adolescentes, nem crianças, nem adultos; os lugares de embarque e desembarque, tais como rodoviárias, estações de trens, portos, que são locais de chegada e de partida; os empregados domésticos, participam da privacidade da família, mas são estranhos a ela; as esquinas, lugares dos rituais; a meia noite, nem dia, nem noite.
Pela mesma razão de embaralhamento, indefinição, os monstros e animais de bestiários são sempre apresentados como reuniões de estranhezas, compostos de diversas partes de outros viventes; focinho de porco, asas de morcego, pés de bode... O lobisomem, o diabo, os sátiros, companheiros do deus Dionísio, marcavam sua estranheza pela morfologia, eram homens com pernas de bodes. A impossibilidade de enquadramento, em categorias binárias, faz destes elementos suspeitos e potencialmente perigosos. Atribui-se a eles “mana”, um poder secreto, singular, insólito e perturbador, presença de algo diferente do natural. Pode o “mana” “imantar” objetos e indivíduos e lugares, conferindo-lhes poder de “eleito”, de alguém ou algo especial que se destaca dos demais pelos seus feitos, grandiosos ou estravagantes. O “mana” cria um comportamento social de respeito, em face àquele que o possui e, pelo caráter inexplicável das ações, também suspeito.
Ora, o pai barqueiro apresenta um comportamento inegavelmente estranho, onde se pode reconhecer o “mana”. As hipóteses encaminham suspeitas de pagamento de promessa, loucura, doença contagiosa e “feia” – a lepra e de enviado especial – um Noé. Em todas elas o homem ultrapassou seus limites, lembremo-nos de “O pagador de promessa” e, como tal, é um herói trágico, no sentido que lhe atribuiu os gregos antigos.
A tragédia tem suas raízes num passado e num lugar distantes, mais precisamente no século V a.C. do helenismo, o chamado século de Péricles, época das tiranias áticas e dos regimes fortes. È ali que a tragédia surgiu como gênero teatral de uma dupla origem: cívica e religiosa. O terno tragédia é derivado de “tragos” que significa bode, daí tragédia ser “canto de bodes”, “tragos” = bode + “oide”= canto. Parece que havia, em princípio, um grupo de pessoas que portavam máscaras de bodes e que representavam estar em estado de delírio. As representações trágicas incluíam-se nas festas dionisíacas, juntamente com as procissões.
As questões que as tragédias gregas levavam até a cena eram sempre sobre a condição humana, seus conflitos, seus dilemas e suas paixões, daí a sua atualidade. Põem em jogo as contradições que são a marca do viver trágico. Com as contradições descortinam-se os enigmas e as interrogações a respeito do homem – este ser incompreensível, culpado e inocente, capaz de dominar a natureza e, ao mesmo tempo ser tão frágil, tão inseguro, incapaz de se definir. Na encenação das tragédias o que se passa é mais que uma encenação, mas trata-se de um ritual litúrgico, onde são celebrados os mistérios da vida humana. É posta em cena a natureza humana, com suas relações mundanas e suas interrogações metafísicas.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

"A terceira margem do rio" parte 1

Saúde, padecimento e morte em GUIMARÃES ROSA
"A terceira margem do rio” ( Primeiras estórias)

Ana Lúcia Magela
A narração do conto é na perspectiva do filho. Ele relata a partida do paicumpridor, ordeiro e positivo [...] só quieto”, numa canoinha que mandara fazer, para ficar por anos no meio do rio; numa “terceira margem”: “Sendo que se ele não se lembrava mais nem queria saber da gente, por que, então não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não encontrável? Só ele soubesse”. (p.30) “Seja que quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me-diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação (meu grifo) ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais”. (p. 31) O mistério se coloca aqui como o insondável absoluto, daí guardar íntima relação com o sagrado. Dele não se pode aproximar pelas explicações racionalistas. Toda tentativa de hipótese explicativa sempre será reducionista. O mistério é uma concha fechada, hermética, lugar onde a razão não consegue lançar nenhum raio de luz esclarecedor.
Mas, há tentativas de explicar comportamento tão esdrúxulo: “Todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira [...] Sou doido? Não. Na nossa casa a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos não se condenava ninguém de doido. Ou, então, todos.” (p.31) “Só uns achavam o entretanto de poder ser também pagamento de promessa, ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele” (p.28) “na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim do mundo, diziam que o nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, portanto, a canoa ele tinha antecipado”; (p.31)
A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia”. (p.28)
Diante do absurdo incompreensível, tentam-se as medidas práticas que, acreditavam, demovedoras de tão infeliz intento: “o pessoal nosso experimentou de ascender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se clamava”. (p.28) A mãe encomendou os esconjurados do padre; os soldados, com apelo de força; foram até mesmo os “homens do jornal” que tentaram fotografar... Nada... “não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão”. (p.29)
O por que do intento? A pergunta sempre aberta, busca invadir a ordem do mistério mas, nenhuma mediação racional explicativa satisfaz. O que se pode é andar em círculos, ao redor deste enigma, buscando, cada vez, se aproximar mais, sem jamais cercá-lo, porque ele sempre vai escapar.
A idéia mítica encontra guarida pela vizinhança do mistério: Tão diversa a atitude de um pai “ordeiro e cumpridor”, na vida do dia-a-dia, nos faz perguntar que contradições vivia este homem, para deixar a família e imobilizar-se nesta terceira margem de um rio? A especulação de que seria ele um Noé, pré-avisado de um dilúvio, reunindo em si toda uma fadiga cósmica, desencantado e desejoso de um repouso absoluto, numa morte em vida, nos conduz a uma possibilidade compreensiva do mito. Se o dilúvio abriu caminho para uma recriação e regeneração da humanidade, seria este intento uma forma de regresso ao útero da natureza, o retorno a um universo caótico e pré-cosmico, embrionário, para um enfrentamento do limite, como uma gestão da morte?
O valor dos mitos é confirmado nos rituais. Os mitos sempre incorporam o paradoxo, nada é harmônico, há sim uma permanente busca da harmonização, sempre fugidia, uma “harmonia-conflitual” onde, integrar a morte no cotidiano é uma forma contraditória de enfrentá-la.
Para vários povos antigos o tempo primordial “illud tempus”, em que pela primeira vez o mundo passou a existir, pode ser recuperado, vale dizer, recomeça como tempo sagrado. Reatualizar o ritual de um começo está presente em todos os calendário sagrados, mesmo nas sociedades contemporâneas.
A paralisia do conto é marcada pela circularidade. A presença/ausência é impossível de ser esquecida. “E nunca falou mais nele. Só se pensava. Não de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para despertar de novo, de repente com a memória, no passo de outros sobressaltos.” (p.30) O pai nem parte de vez, nem volta. Fica no estar sendo, num presente eterno e absurdo. A dimensão da estranheza é prolongada, interminável, mesmo que não se fale mais do pai, não se busque mais explicar a estultice do comportamento dele, também dele não se esquece. É o que pode caracterizar o rito de passagem em sua fase de “margem”, vale dizer, flutua entre dois mundos. A “terceira margem” é uma criação literária interessante, pois situa uma transitoriedade que se eterniza e numa “margem” impossível! Onde só existem duas, Guimarães Rosa cria uma absurda terceira.
O antídoto do tempo pode ser encontrado nos atos de voltar-se para dentro, como forma de embargo, de paralisia. Desconectar-se do mundo, das rotinas cotidianas, pode ter relação com as figuras que remontam à vida fetal, como o resgate de um arquétipo ou do atávico. Destacam-se, dentro desta interpretação, as imagens de proteção e interioridade da gruta, da concha, do ovo, onde se pode ver Alice no país das maravilhas, Gúliver, O Pequeno Polegar. O lugar de escolha é “estar dentro de”, a engulição e o encaixe. Ora, na canoa, só cabe o canoeiro, foi encomendada e feita, sob medida, para só comportar um navegador. Na análise destes arquétipos encontra-se a valorização da simbologia do repouso, buscado no berço, no sepulcro, na caverna, na morada nas águas, na descida, na noite e na morte.
Estar sobre as águas e não ir para lugar nenhum, demarca uma intenção desconhecida, mas que pode ser interpretada como de desafio ao tempo, tornar-se senhor dele, ou a eufemização do tempo que passa – não passa para o pai canoeiro, é vago, indefinido, ainda não posto em movimento, como precedendo o cosmo, a inércia, onde vai fundar-se um começo sagrado, uma cosmogonia.
O pai “Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar” (p.28) Já não há como diferenciar o canoeiro da canoa. Continente e conteúdo se amalgamaram ao longo do tempo...

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Sorôco, sua mãe, sua fiulha - a estranheza da loucura 2

Para a viagem das duas loucas, até o manicômio de Barbacena, observa-se uma real preocupação com as medidas práticas como segurança, alimentação, boas condições para a longa viagem, todavia, sob os obséquios e cuidados técnicos se esconde o medo da diversidade, do diferente e de sua alteridade. Separar o “doente” é uma medida social higienista. “O propósito principal, então, das crenças e práticas higiênicas é fixar modelos para o comportamento das pessoas, impedindo que transgridam limites e desorganizem a ordem simbólica[...] os microorganismos patogênicos ameaçam mais a vida social que a vida orgânica, e, são objeto de ritos purificatórios.” (Rodrigues,1975, p.134) Daí a necessidade de que a ordem assuma seu papel hegemônico, marque presença preponderante e rechace a desordem. Isto faz o diferente ainda mais diverso e, conseqüentemente, objeto de exclusão. “Não é improvável que possamos encontrar um paralelismo acentuado entre a tendência a identificar, no corpo humano, o ‘vil’ e o ‘nojento’ com o ‘inútil’, e a atitude pragmática do sistema capitalista, que procura valorizar no corpo o que tem de aproximado aos instrumentos e ferramentas.” (Rodrigues, 1975,p. 159)
É esperado, na apreciação de uma melodia que haja uma combinação de sons captado pelo ouvido humano como uma sensação agradável. Tal sensação deve elevar o espírito, conduzir ao êxtase, através da alegria ou da catarse. Quando a melodia une-se à palavra estabelece-se um sentido que precisa ser compreendido, vale dizer, exige coerência para que o receptor possa decodificá-la. A cantiga da filha “não vigorava certa nem no tom nem no dizer das palavras – o nenhum”. A avó segue a cantiga da neta, “que ninguém não entendia”. É um desafio não intencional, mas que, a contragosto, se põe entre elas e povo circundante, uma comunicação que não se decodifica. Para os presentes a cantiga era “o nenhum”, a ausência de qualquer possibilidade de laço social, fora de qualquer alcance.
“A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfunada de tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam”. (p.14) As duas loucas se diferem dos demais também pelos trajes. Vestem-se e têm comportamentos sui generis, chamam atenção, embora não quisessem “dar-se em espetáculo”. A velha trajando-se mais discreta, toda de preto, com seu chalé preto, mas “batia com a cabeça, nos docementes.” Ambas portam no corpo, quer pelas indumetárias, quer pelo comportamento, aquilo que os gregos definiram como estigma. “Sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresenta”. Goffmam 1963, p.11) A filha tem um ar sobrenatural “que nem os santos e os espantados”. Esta última traz nas vestes “matéria de maluco”, trapos, tiras, roupa sobre roupa, panos e papéis amarrados ao corpo. Cabelos desgrenhados que todos reconhecemos como assinatura da sandice!
Diversas no trajar, diversas na idade, todavia se assemelhavam. Unidas neste padecimento comum, alardeiam a alteridade da doença mental. O rosto da moça é a contradição posta: “a cara dela era um repouso estatelado”. De uma loucura que subverte, seu rosto atônito é uma máscara de não-presença. Ela não quer se dar em espetáculo, porque não está ali. Quais seriam as “outroras grandezas impossíveis”? Quem poderia responder? Senão alguém também mergulhado nestas águas, como a avó? Quem sabe vem daí esta semelhança entre as duas? Daí, quem sabe, este olhar da avó de um “amor extremoso”, este “encanto de pressentimento muito antigo” que todos viram e não entenderam?
“De repente, a velha se desapareceu do braço de Sorôco, foi-se sentar no degrau da escadinha do carro. – ‘Ela não faz nada, seo Agente...’ – A voz de Sorôco estava muito branda: - ‘Ela não acode, quando a gente chama...” (p.15) Elas são “doidas mansas”, Sorôco sabe disto. Necessárias as precauções de segurança? Grades nas janelas do vagão? Para impedí-las de quê? De cantar? Ou para delimitar o estigma da desordem? A falsa segurança contra a ameaça simbólica! .
“ Agora mesmo, a gente só escutava era o arcoçôo do canto, das duas, aquela chirimia, que avocava [“...] A tristeza do canto incompreensível podia doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, mas pelo antes, pelo depois”. A dor que se derrama no canto incompreensível agora pode ser de todos, sem marca de razão... Não é preciso “jurisprudência de motivo nem lugar” (p.15) Esse por-se em comum é a vivência do trágico, no sentido grego, dionisíaco. “Dionísio é, efetivamente, uma espécie de interposição entre a natureza e a cultura, ao permitir, ao mesmo tempo, o acesso ao instintual e o aprofundamento da socialidade” (Maffesoli,1985, p.140) É um estado de “religare” um “cimento social” que se mostra em toda sua potência e vitalidade. Já não é só uma chusma de gente, mas uma socialidade que descobre a forma de enfrentar coletivamente o desafio do limite e a dor é agora de todos.
O embarque é rápido que Sorôco nem espera sumir, nem olha, é uma imagem desolada, uma tristeza esmagadora... “Ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa, exemploso” Sorôco é a imagem da desolação muda,“oco”. Esvaziado como quem parou de ser. Há uma emoção de lagrimejamento nos presentes “vistas neblinadas”. As palavras que buscam consolar estão soltas ao vento, não há consolo possível nos ditos, mas, nos não ditos...”De repente, todos gostavam demais de Sorôco.” Percorre o âmago daquela comunidade um estado de ser-estar-junto, nunca dantes suspeitado. Um estado proxêmico de coesão que não é da ordem da consangüinidade, nem da pena, mas do religare, da proxemia. Ali, naquele momento e lugar, em face do evento que foi presenciado e das circunstâncias em que se deu, estabelecem-se relações afetivas que os seres humanos desenvolvem a partir de um território de pertencimento, seja este território espacial ou simbólico. Uma “socialidade de base” como denomina Maffesoli, “o querer-viver espontâneo que, através de representações imagéticas, reordena o tempo e o espaço, permitindo o enfrentamento coletivo do trágico do tempo que passa e a angústia da finitude.” (1988,p.113) Um estado de ser-estar-junto, sem obrigatoriedade, sem finalidade disciplinada, pela solidariedade orgânica, imposta pelas rotinas da vida cotidiana, em posições moralista de um dever-ser. (Durkheim,1986) Mas sim, manifestada no próprio ato de pertencimento, uma sensibilidade coletiva. “essas redes de amizade, que não têm outra finalidade senão reunir-se sem objetivo, sem projeto específico e que cada vez mais compõem a vida quotidiana dos grandes conjunto” (Maffesoli,1987,p.35)
Sorôco está voltando para casa como se fosse para longe, sem a mãe e sem a filha, mas com toda a cidade que o acompanha. As palavras de conforto são dispensáveis... o canto as substitui: “ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si – e era a mesma cantiga, mesma de desatino, que as duas tinham cantado [...] E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó de Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Sorôco, [...] os mais de detrás quase corriam, ninguém deixasse de cantar” (p.16) Mais, muito mais que de dó de Sorôco, o povo canta com ele, a mesma canção destrambelhada das duas loucas. Como um coro de ditirambos que, no teatro grego clássico, declamavam e cantavam, em delírio, para louvor do deus Dionísio. Ali Sorôco é o cantor principal, o corifeu, acompanhado de todas as outras vozes, “ninguém deixasse de cantar. “o coro como uma muralha viva de que se cerca a tragédia a fim de se separar do mundo real e salvaguardar seu domínio ideal e sua liberdade poética [...] o coro ditirâmbico é um coro de transformados que perderam totalmente a lembrança de seu passado civil” .(Nietzsche, p.59) “O ditirambo “oferece o espetáculo de uma comunidade de atores inconscientes que se contemplam a si mesmos, metamorfoseados entre os outros” (p.66) Nesse canto de possessão dionisíaca, todos se irmanam para “levar Sorôco para a casa dele[...] ia até aonde que ia aquela cantiga” (p.16). Não importa mais que a cantiga seja “nenhum”, não tenha tino, nem seja compreendida – ela é agora compartilhada. Há uma irresistível identificação entre todos os que cantam com Sorôco, numa sabedoria dionisíaca do enfrentamento dos limites, como um retorno à natureza. Há uma real preocupação com as medidas práticas como segurança, alimentação, boas condições para a longa viagem, todavia, sob os obséquios e cuidados técnicos se esconde o medo da diversidade, do diferente e de sua alteridade. Separar o “doente” é uma medida social higienista. “O propósito principal, então, das crenças e práticas higiênicas é fixar modelos para o comportamento das pessoas, impedindo que transgridam limites e desorganizem a ordem simbólica[...] os microorganismos patogênicos ameaçam mais a vida social que a vida orgânica, e, são objeto de ritos purificatórios.” (Rodrigues,1975, p.134) Daí a necessidade de que a ordem assuma seu papel hegemônico, marque presença preponderante e rechace a desordem. Isto faz o diferente ainda mais diverso e, conseqüentemente, objeto de exclusão. “Não é improvável que possamos encontrar um paralelismo acentuado entre a tendência a identificar, no corpo humano, o ‘vil’ e o ‘nojento’ com o ‘inútil’, e a atitude pragmática do sistema capitalista, que procura valorizar no corpo o que tem de aproximado aos instrumentos e ferramentas.” (Rodrigues, 1975,p. 159)
É esperado, na apreciação de uma melodia que haja uma combinação de sons captado pelo ouvido humano como uma sensação agradável. Tal sensação deve elevar o espírito, conduzir ao êxtase, através da alegria ou da catarse. Quando a melodia une-se à palavra estabelece-se um sentido que precisa ser compreendido, vale dizer, exige coerência para que o receptor possa decodificá-la. A cantiga da filha “não vigorava certa nem no tom nem no dizer das palavras – o nenhum”. A avó segue a cantiga da neta, “que ninguém não entendia”. É um desafio não intencional, mas que, a contragosto, se põe entre elas e povo circundante, uma comunicação que não se decodifica. Para os presentes a cantiga era “o nenhum”, a ausência de qualquer possibilidade de laço social, fora de qualquer alcance.
“A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfunada de tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas – virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam”. (p.14) As duas loucas se diferem dos demais também pelos trajes. Vestem-se e têm comportamentos sui generis, chamam atenção, embora não quisessem “dar-se em espetáculo”. A velha trajando-se mais discreta, toda de preto, com seu chalé preto, mas “batia com a cabeça, nos docementes.” Ambas portam no corpo, quer pelas indumetárias, quer pelo comportamento, aquilo que os gregos definiram como estigma. “Sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresenta”. Goffmam 1963, p.11) A filha tem um ar sobrenatural “que nem os santos e os espantados”. Esta última traz nas vestes “matéria de maluco”, trapos, tiras, roupa sobre roupa, panos e papéis amarrados ao corpo. Cabelos desgrenhados que todos reconhecemos como assinatura da sandice!
Diversas no trajar, diversas na idade, todavia se assemelhavam. Unidas neste padecimento comum, alardeiam a alteridade da doença mental. O rosto da moça é a contradição posta: “a cara dela era um repouso estatelado”. De uma loucura que subverte, seu rosto atônito é uma máscara de não-presença. Ela não quer se dar em espetáculo, porque não está ali. Quais seriam as “outroras grandezas impossíveis”? Quem poderia responder? Senão alguém também mergulhado nestas águas, como a avó? Quem sabe vem daí esta semelhança entre as duas? Daí, quem sabe, este olhar da avó de um “amor extremoso”, este “encanto de pressentimento muito antigo” que todos viram e não entenderam?
“De repente, a velha se desapareceu do braço de Sorôco, foi-se sentar no degrau da escadinha do carro. – ‘Ela não faz nada, seo Agente...’ – A voz de Sorôco estava muito branda: - ‘Ela não acode, quando a gente chama...” (p.15) Elas são “doidas mansas”, Sorôco sabe disto. Necessárias as precauções de segurança? Grades nas janelas do vagão? Para impedí-las de quê? De cantar? Ou para delimitar o estigma da desordem? A falsa segurança contra a ameaça simbólica! .
“ Agora mesmo, a gente só escutava era o arcoçôo do canto, das duas, aquela chirimia, que avocava [“...] A tristeza do canto incompreensível podia doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, mas pelo antes, pelo depois”. A dor que se derrama no canto incompreensível agora pode ser de todos, sem marca de razão... Não é preciso “jurisprudência de motivo nem lugar” (p.15) Esse por-se em comum é a vivência do trágico, no sentido grego, dionisíaco. “Dionísio é, efetivamente, uma espécie de interposição entre a natureza e a cultura, ao permitir, ao mesmo tempo, o acesso ao instintual e o aprofundamento da socialidade” (Maffesoli,1985, p.140) É um estado de “religare” um “cimento social” que se mostra em toda sua potência e vitalidade. Já não é só uma chusma de gente, mas uma socialidade que descobre a forma de enfrentar coletivamente o desafio do limite e a dor é agora de todos.
O embarque é rápido que Sorôco nem espera sumir, nem olha, é uma imagem desolada, uma tristeza esmagadora... “Ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa, exemploso” Sorôco é a imagem da desolação muda,“oco”. Esvaziado como quem parou de ser. Há uma emoção de lagrimejamento nos presentes “vistas neblinadas”. As palavras que buscam consolar estão soltas ao vento, não há consolo possível nos ditos, mas, nos não ditos...”De repente, todos gostavam demais de Sorôco.” Percorre o âmago daquela comunidade um estado de ser-estar-junto, nunca dantes suspeitado. Um estado proxêmico de coesão que não é da ordem da consangüinidade, nem da pena, mas do religare, da proxemia. Ali, naquele momento e lugar, em face do evento que foi presenciado e das circunstâncias em que se deu, estabelecem-se relações afetivas que os seres humanos desenvolvem a partir de um território de pertencimento, seja este território espacial ou simbólico. Uma “socialidade de base” como denomina Maffesoli, “o querer-viver espontâneo que, através de representações imagéticas, reordena o tempo e o espaço, permitindo o enfrentamento coletivo do trágico do tempo que passa e a angústia da finitude.” (1988,p.113) Um estado de ser-estar-junto, sem obrigatoriedade, sem finalidade disciplinada, pela solidariedade orgânica, imposta pelas rotinas da vida cotidiana, em posições moralista de um dever-ser. (Durkheim,1986) Mas sim, manifestada no próprio ato de pertencimento, uma sensibilidade coletiva. “essas redes de amizade, que não têm outra finalidade senão reunir-se sem objetivo, sem projeto específico e que cada vez mais compõem a vida quotidiana dos grandes conjunto” (Maffesoli,1987,p.35)
Sorôco está voltando para casa como se fosse para longe, sem a mãe e sem a filha, mas com toda a cidade que o acompanha. As palavras de conforto são dispensáveis... o canto as substitui: “ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si – e era a mesma cantiga, mesma de desatino, que as duas tinham cantado [...] E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó de Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Sorôco, [...] os mais de detrás quase corriam, ninguém deixasse de cantar” (p.16) Mais, muito mais que de dó de Sorôco, o povo canta com ele, a mesma canção destrambelhada das duas loucas. Como um coro de ditirambos que, no teatro grego clássico, declamavam e cantavam, em delírio, para louvor do deus Dionísio. Ali Sorôco é o cantor principal, o corifeu, acompanhado de todas as outras vozes, “ninguém deixasse de cantar. “o coro como uma muralha viva de que se cerca a tragédia a fim de se separar do mundo real e salvaguardar seu domínio ideal e sua liberdade poética [...] o coro ditirâmbico é um coro de transformados que perderam totalmente a lembrança de seu passado civil” .(Nietzsche, p.59) “O ditirambo “oferece o espetáculo de uma comunidade de atores inconscientes que se contemplam a si mesmos, metamorfoseados entre os outros” (p.66) Nesse canto de possessão dionisíaca, todos se irmanam para “levar Sorôco para a casa dele[...] ia até aonde que ia aquela cantiga” (p.16). Não importa mais que a cantiga seja “nenhum”, não tenha tino, nem seja compreendida – ela é agora compartilhada. Há uma irresistível identificação entre todos os que cantam com Sorôco, numa sabedoria dionisíaca do enfrentamento dos limites, como um retorno à natureza.

sábado, 26 de abril de 2008

Sorôco e a loucura - a estranheza -1

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Sorôco e a loucura – a estranheza -1


Sorôco, sua mãe, sua filha”

O vagão que leva a mãe e a filha de Sorôco “não era um vagão comum de passageiros [...] num dos cômodos as janelas sendo de grades feito as de cadeias para presos”. Só a aparência do carro-vagão já diz da estranheza desta viagem, do desconhecido que se apresenta. Nele não vão passageiros. Produzido longe da pequena cidade, diferente de tudo que parecesse familiar, “sem piedade nenhuma.” Objeto assustador, que além de estranho vai servir para um triste fim necessário - transportar as duas loucas até o manicômio de Barbacena. Elas não vão sozinhas: “iam com elas, por bem-fazer, na viagem comprida, eram o Nenêgo, despachado e animoso, e o José Abençoado, pessoa de muita cautela, estes serviam para ter mão nelas [...] também no carro uns rapazinhos, carregando as trouxas e malas, e as coisas de comer, muitas, que não iam fazer míngua, os embrulhos de pão. Elas não haviam de dar trabalhos”.
Sorôco, naquele dia, não calçava as alpercatas, mas “calçado de botinas, e de paletó, com chapéu grande, botara sua melhor roupa”.
Na descrição do cenário, nas atividades das personagens, assim como no comportamento cauteloso, quieto, em suspensão, de Sorôco, “E estava reportado e atalhado, humildoso”, nos seus trajes, há um certo esmero, a demonstrar que não se trata de uma situação trivial. É um acontecimento que atravessa a tênue fronteira do privado para o público. O drama de Sorôco, com a velha mãe e única filha enlouquecidas, é da ordem do privado. Todavia, numa cidade interiorana, pequena; pela pobreza de Sorôco que precisou contar com a ajuda do governo que pagou tudo, mandou o carro para conduzir as duas mulheres, o fato se torna público. A partida das duas loucas é um acontecimento social. A pequena multidão, todavia, se comporta respeitosa: “As pessoas não queriam poder ficar se entristecendo, conversavam, cada um porfiando no falar com sensatez, como sabendo mais do que os outros a prática do acontecer das coisas. Sempre chegava mais povo – o movimento”. É preciso que se falasse com sensatez, que o saber, com mais domínio da situação, fizesse a todos e cada um, ver que são curiosos, não loucos. Que participam de um evento, mas não fazem o espetáculo, é gente curiosa que se solidariza com Sorôco, mas não são como “elas”. Esta demarcação é protetora, resguarda o nicho de sanidade e a diferencia da “loucura”. A dor daquela cena precisa ser afastada. Lembremos-nos dos velórios onde piadas são contadas e ouvidas com agrado a boca pequena, se ri e, entre um ou outro comentário sobre a nobreza do morto, fala-se de trivialidades, bebe-se, come-se e, assim, os vivos, os “saudáveis” se colocam no contra-fluxo da tristeza. A comensalidade aí se põe como um rito de passagem que agrega, transitoriamente, os participantes e os separa do luto, como uma ilha de organizada normalidade.
Precisar da ajuda demarca a indigência, a necessidade, demonstra que Sorôco é um deserdado do sertão, sem acesso a cidadania. Por outro lado, faz do “governo” o grande pai caridoso a socorrer os necessitados. A “ajuda” não passa de esmola, nem mesmo um arremedo de justiça social e torna o hipo-suficiente ainda mais humilhado.
Ocorre, a partir daí, um certo planejamento das ações que culminarão no transporte das duas mulheres para esta longa viagem. As matulas, os acompanhantes, pessoas de tino, obsequiosas e desenvoltas, a pequena comunidade á espera da partida das loucas, respeitosa e unida, demonstra uma ordem planejada, em contraposição à desordem mental da mãe e da filha de Sorôco. A chegada dos três, Sorôco e as duas mulheres, lembra “um casório”, tal a formalidade da cerimônia, mas tem a tristeza de um enterro. Aí se pode perceber uma ritualística. O rito é o mito posto em movimento. Os comportamentos ritualísticos têm por base crenças míticas. Há toda uma gramática, que varia de uma para outra cultura e que disciplina nossos comportamentos frente às ameaças simbólicas, que determina comportamentos de fuga, nojo, medo, repulsa, entre outros e nos deixa muito pouco espaço de liberdade de escolha. Na dinâmica das ações rituais, o mito se atualiza, se põe em cena. É um rito de passagem o que se pode detectar na partida, em qualquer partida ou chegada. Nesta situação específica a ritualística de desagregação se coloca com toda a sua dimensão de dor. Qualquer movimentação, particularmente uma movimentação geográfica, física, que afasta o indivíduo de uma área conhecida para uma desconhecida, ou não tão conhecida como aquela que ele deixa, cria uma situação especial de flutuação ou de “margem”. quanto ao embarque e desembarque. Sorôco vem entre elas, cada uma de um lado, de braços dados, como elos de uma corrente, corrente num momento de “margem” que em breve será desagregada, também uma simbologia de um “casório”, mas que é um “enterro”. Recorremos aos rituais de ordem como forma aliviadora da angústia da finitude. O planejamento confere uma ordem mínima a tudo aquilo que está fugindo do controle. Pode-se perguntar na presente situação descrita no conto: A que controle? Não se está aqui falando de uma ordem social ou familiar usual, partilhada na “normalidade” da vida cotidiana das pessoas e das famílias. Há uma “ordem” possível do acostumado, da trivialidade, do vivido pela família Sorôco, que foi deteriorando-se até o insustentável. Mas, mesmo nesta situação, havia uma certa espacialidade partilhada, um convívio que, se não prazeroso, se impunha pela necessidade e pela falta de outras opções.
A atual situação é de ruptura e todos os presentes sabem que não é a solução do problema. Também não é um enigma. Se o fosse, poderia ensejar alguma expectativa. A mãe e a filha de Sorôco – as loucas - vão para um manicômio, para um depósito de loucos, não para uma instituição de tratamento. Não há esperança de que, um dia, elas voltem, muito menos de que voltem mais saudáveis. Como toda ruptura, corta laços, joga o ser humano no desconhecido, muitas vezes no insólito. Mesmo quando o que se corta é um laço indesejável, sempre é assustador, desestabilizante. Para elas pode não haver consciência clara do desconhecido. Talvez elas só se atenham às suas fantasias, desorganizadas para os ditos “normais”. Para Sorôco, o não mais partilhar do convívio com elas é ambivalente. Há dor misturada ao alívio, agravada pela certeza de que elas não estarão em estado melhor do que estão, só segregadas, excluídas, afastadas dos “normais”, logo elas que já têm um mundo próprio onde se escondem. A filha “tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, [...] o ar, a cara dela era um repouso estatelado, não queria dar-se em espetáculo, mas representava de outroras grandezas, impossíveis [...] Mas a gente viu a velha olhar para ela, com um encanto de pressentimento muito antigo E, principiando baixinho, mas depois puxando pela voz, ela pegou a cantar, também, tomando o exemplo, a cantiga mesma da outra, que ninguém não entendia. Agora elas cantavam juntas, não paravam de cantar”. O canto desconexo, no tom e nos dizeres, primeiro da moça. Depois a ela se junta a velha. A cantiga é a mesma, como um coro incompreensível. O que cantam carece de sentido aos ouvintes, cantam para elas mesmas. Habitam, ambas, um universo paralelo, alienígena, inumano, de acesso impossível. O código é outro, intransitivo, diverso.
À demonstração explícita dos transtornos das duas mulheres as pessoas ajuntadas reagem com um constrangimento respeitoso: “Todos ficavam de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos, e por conta de Sorôco – para não parecer pouco caso.” A estranheza é incômoda, pois ameaça a ordem constituída. A ordem mantém o liame que, às vezes, mais do que unir estabelece o cerco, a prisão. Mas que seria de nós, pobres humanos racionalistas, sem as prisões que construímos para nos proteger? – Frágeis “Simões Bacamartes”, seres extra murus, sem referências, ameaçados! A desordem, na loucura das duas mulheres, põe a nu esta ameaça. A ordem precisa se mostrar então presente para fazer frente ao perigo da alteridade. Sanidade x enfermidade, razão x loucura se põem como pólos de enfrentamento.

sábado, 19 de abril de 2008

Miguilim e a experiência da morte -2

Miguilim e a experiência da morte - 2

É na subida para a Lage da Ventação, onde a coruja-batuqueira tinha uma toca, onde o vaqueiro Jé ficava escondido com a Maria Pretinha, o micro-estrela fujão estava em tempo de ser espatifado pela cachorrada e a criançada corria para salvar o mico que “o Dito pisou sem ver num caco de pote, cortou o pé: na cova-do-pé, um talho enorme, descia de um lado, cortava por baixo, subia da outra banda.” Foi um corre-corre: Rosa carregou Dito e lavaram o pé numa bacia... muito sangue. Vó Izidra colocou sobre a ferida talo de bálsamo e amarraram com panos apertados. Dito ficou deitado na rede no alpendre. Pedia a Miguilim que reportasse para ele, imobilizado na rede e depois no catre, tudo o que se passava na casa, no curral, com os agregados, no presépio, porque já era época de se armar o presépio, incumbência que cabia à Vovó Izidra. Armar o presépio era um acontecimento: “Todos os anos, o presépio era a coisa mais enriquecida, vinha gente estranha dos Gerais, para ver, de muitos arredores.” Os personagens do presépio, Vó Izidra guardava numa canastra que carregava para onde ela ia e eram reunidos desde sua mocidade: os reis magos, pastores, os patinhos, peixes, urso-branco, rã, cágado, foquinha, muitos bichos e na manjedoura Nossa Senhora, São José e o menino Jesus. Dito, assim como todas as crianças, queria ver a montagem do presépio, mas pulando com um pé só, doía e Vó Izidra trazia algumas coisas para ele ver. Os irmãos menores, que podiam participar da arrumação do presépio, nada entendiam e Tomezinho ficava na porta do quarto onde Dito agora estava :”Vocês não podem ir ver presepe, vocês então vão para o inferno!
Dito piorava “endefluxou” outra vez e chorava muito com dores de cabeça e nas costas. Vovó Izidra, que agora dormia no quarto junto com o Dito, cuidava com folhas santas amassadas. O agregado Luisaltino foi, à cavalo, na casa de um fazendeiro que vendia remédio para dor... Miguilim ficava a maior parte do tempo ao lado de Dito, contando estórias compridas que inventava. Saia e voltava com as novidades, relatando os acontecidos.
Não poder participar do andamento dos ocorridos é o princípio da perda para Dito, Vovó Izidra, Miguilim, todos da casa, vizinhos e agregados. Miguilim se coloca, nesta situação, como resistência ao desfecho que vai ocorrer. Enquanto reporta os fatos que Dito não pode mais presenciar, busca conservar a ordem, dentro da desorganização que cada vez mais se avizinha. Ordem que ele acredita temporariamente alterada pelo acidente e a piora da saúde do irmão. Miguilim acompanha a sina de Dito, desde o acidente, com o corte no pé, o agravamento da doença, a agonia e a morte, sem possibilidade de acreditar no que se desenrola diante de seus olhos infantis. Já Dito percebe que está sendo conduzido ao fim inexorável: “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!... E o Dito quis rir para Miguilim. Mas Miguilim chorava aos gritos, sufocava, os outros vierem, puxaram Miguilim de lá.” Quando o embate entre vida e morte se afrouxa e abre espaço para que impere o fim, a desordem, Dito não é um ser humano desesperado. Ele percebe a sua terminalidade como um ser trágico, entregue ao seu destino, enquanto Miguilim encarna o drama; não acredita que a desordem triunfe, ela só pode ser transitória! Pode ser controlada! Pode ser controlada! " 'Mãitina! Faz todos os feitiços, depressa, que você sabe...’ Mas aí, no vôo do instante, ele sentiu uma coisinha caindo em seu coração, e adivinhou que era tarde, que nada mais adiantava. [...] Drelina, branca como pedra de sal, vinha saindo: - Miguilim, o Ditinho morreu...” Miguilim, devastado pela dor da perda do irmão mais querido, sentado no chão, num canto do quarto, olha os preparativos do corpo de Dito. Observa o carinho com que a mãe segura, durante o banho, na bacia, o pezinho machucado do filho morto, como se ele ainda pudesse sentir dor: O enterro ia ser no cemiteriozinho na Vereda do Terentém, um dia inteiro de viagem. Mãitina fazia farofa de carne, cozinharam mandioca para os homens que iam levar Dito até o cemitério, mataram até um porquinho, porque a carne seca era pouca e iam também levar um garrafão de cachaça. O corpinho do menino foi embrulhado numa colcha de chita, como a mãe queria – um arremedo de um pallium que dissimulava a nudez da morte e que, na pobreza, estava mais próximo de uma mortalha. O corpo fora enfeitado com alecrim e pendurado numa vara comprida, em cada ponta um carregava.
A vó Izidra, depois que saiu o último homem, fechou a porta. Ali se estabelecia o primeiro momento do rito de separação. Dito, agora, não mais fazia parte dos vivos. A transição e a porta fechada se punham como uma borda, a estabelecer limite no trabalho simbólico de desligamento.
Miguilim está esvaziado, cansado do sofrimento, do choro, da angústia... e ele é só um menininho! Passam-se os dias em que ele não sabe se é noite ou dia: “Uai, Mãe, hoje já é amanhã?!” Ainda não crê mesmo que Dito não vai voltar, que agora é o nunca mais. Quer um milagre, voltar o filme do tempo, conciliar Dito vivo-Dito morto, brincadeiras, conversas, estórias... Mas, o presente é o verdadeiro lugar da existência. Crespi, mostra que a recusa ao cotidiano, ao presente, se deve a um medo profundo em aceitar a insolubilidade das contradições e isto nos põe a espera de uma redenção final. Aí se estrutura o que ele chama de “Lógica da Espera” em contraposição à “Lógica da Atenção”: “Se o presente mostra uma situação inconciliável (e como não poderia mostrar?) a espera volta as costas ao presente: ela olha para o futuro no qual ela projeta a imagem de uma conciliação final (céu ou sociedade perfeita). Mas, curiosamente a espera guarda sempre também um olhar atrás, no passado, no qual ele paralelamente projeta uma imagem de unidade original. Esta imagem da origem constitui, com efeito, a garantia da promessa de libertação projetada no futuro.”
Miguilim se apega às palavras da Mãe, enquanto lavava o corpo de Dito. Talvez porque aquele momento em que ela as pronunciava, embora fosse “O ponto mais fundo da dor,” a transição da vida para a morte era ainda nebulosa. Dito, para Miguilim, ainda não tinha passado de doente a morto. O olhar no passado, como lugar da inteireza, inspira o desejado milagre do retorno, do não havido. A “Lógica da Atenção”, para Crespi, “Não pensa em termos de uma solução final de contradições, ela busca gerenciar estas mesmas contradições através de soluções parciais e temporárias de tipo pragmático e não totalizante”. Mas, Miguilim ia precisar viver outras experiências, de um tempo de luto para poder cicatrizar as feridas.
Mãitina era a pessoa com quem ele sempre podia falar do Dito e chorarem juntos. É dela a idéia: “Escondido, escolheram um recanto, debaixo do jenipapeiro, ali abriram um buraco, cova pequena. De em de, camisinha e calça do Dito, furtaram, para enterrar, com brinquedos dele. Mas Mãitina foi remexer em seus guardados, trouxe uns trens: boneco de barro, boneco de pau, penas pretas e brancas, pedrinhas amarradas com embira fina; [...] Miguilim tinha todas as lágrimas nos olhos. Tudo se enterrou, reunido com as coisinhas do Dito. Retaparam com terra, depois foram buscar as pedrinhas lavadas do riacho, que cravaram no chão, apertadas, remarcando o lugar; [...] Era mesma coisa se o Dito estivesse depositado ali, e não no cemiteriozinho, longe, no Terentém.” A cumplicidade entre eles é protetora. Só eles compartilhavam o segredo e Miguilim furtava cachaça para Mãitina. Dito agora está presente. Se nada pode voltar a ser como antes, se o milagre de reviver Dito não acontece, pelo menos há um lugar para ele no Mutum, escondido pelo ritual de Miguilim e Mãitina, protegendo-os da ausência, do desamparo, da crueldade da morte, e das relações hostis entre os outros vivos. É próprio do rito preservar a continuidade do vivido.
De volta à labuta que lhe era imposta, Miguilim adoece. A saúde dele era mesmo fraca e a isto se somam os maus-tratos. É grave o seu estado de fraqueza. O Pai já não grita mais, não ralha, só chora, temendo que mais um filho morresse e procura fazer as vontades de Miguilim. Dias ele passa sem se dar conta do que acontece à sua volta. Numa manhã todos choram e gritam, chamam pela Mãe. “Pai fugiu para o mato, Pai matou o Luisaltino!...” Do fundo da doença Miguilim soluça , grita e Vó Izidra tenta acalma-lo: “Vamos rezar, Miguilim, deixa os outros, eles se arrumam; esquece de todos: você carece é de sarar!” Vó Izidra cuidou do neto, abençoou-o, trocou o cordão das medalhinhas que ele tinha no pescoço e que estavam encardidos e sujos de doença, abraço-o e despediu-se. Ia embora para nunca mais voltar. O Pai se enforcara com um cipó. Encontrado morto no cerrado. “Mãe veio, se ajoelhou, chorava tapando a cara com as duas mãos; - ‘Miguilim, não foi culpa de ninguém, não foi culpa...”[...] perdeu a cabeça depois do que fez, [...] de lá mesmo foi levado para o Terentém...” Miguilim agora, depois de tantos infortúnios, se avizinha da “Lógica da Atenção”. Valoriza o cotidiano com toda a sua carga de imprevisibilidade... desencanto? Ou um “niilismo terapêutico” ? Este niilismo é um tipo de descrença nietzschiana que nada tem de agressiva ou auto-destrutiva. O ‘pensamento frágil’ seria um pensamento de um homem mais humano, mais sensível (próximo ao supre-homem de Nietzsche) mais educado às nuanças e menos aos grandes combates do destino.
Quando o desejado não tem chance de chegar e há o desencanto pela espera inútil, quando se acredita que as energias foram gastas em vão... pode surgir o inesperado... Os muitos ardis do deus Dionísio! E Miguilim vai passar a ver o mundo com outros olhos...
Um homem chega a cavalo, usava óculos, era o doutor José Lourenço que vinha de Curvelo: “Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista?" E Miguilim experimenta os óculos que o doutor tira do próprio rosto e coloca em Miguilim É um deslumbramento! Miguilim agora vê o que não via antes! “a pele da terra”, as coisas pequenas...
O doutor vai levar Miguilim para mandar fazer uns óculos, menores, adequados para o tamanho dele. Voltou no dia seguinte e as roupas e matula já estavam aprontadas. Miguilim, com os óculos do doutor, mais uma vez olhou para tudo o que pôde, o gado, os matos, os buritizais... Ah! O Mutum era bonito! Devolveu os óculos para o doutor, despedidas... “Um soluçozinho veio. O Dito e a Cuca Pingo-de-Ouro. E o Pai. ‘Sempre alegre, Miguilim... sempre alegre, Miguilim’...”
Outra partida, agora diversa de quantas tinha ele vivido, também dolorosa, mas de outro tipo de dor... “Toda saudade é uma espécie de velhice.” Miguilim, já não era apenas um menininho sofrendo a orfandade, a indigência, e o abandono. “Ah, esta vida, às não vezes, é terrível bonita, horrorosamente, esta vida é grande.”




segunda-feira, 14 de abril de 2008

Miguilim e a experiência da morte 1

Guimarães Rosa é, para mim, inesgotável, daí posso dizer que não conheço toda a sua obra. Do que conheço não é por ter lido o conto, o livro, o comentário do texto, mas porque degustei cada termo, cada imagem, cada dor... Carrego no sangue, no fundo sem fundo, tudo o que sinto nas releituras, discussões contações de estórias, aboios que ouvi, lugares que visitei para melhor apreender o universo roseano. É pouco e penso que em toda a minha vida vai faltar tempo para conhecê-lo mais e melhor.
Neste ano do centenário de nascimento de Rosa (1908-2008) retorno ao "Campo Geral", à estória de Miguilim, como se voltasse à minha infância - nem tão rural, nem tão rude. Sinto no corpo e na alma o drama de Miguilim e a tragédia de Dito e compreendo porque Rosa confessou a seu editor alemão: "de tudo que escrevi, gosto mais é da estória de Miguilim... Por que? Porque ela é mais forte que o autor, sempre me emociona, eu choro, cada vez que a releio, mesmo para rever as provas tipográficas". (RONAI, 1978)
"Campo Geral" é a estória de "Um certo Miguilim", menininho de oito anos, mirrado e franzino, que morava com a família longe... pra lá da "Vereda-d0-Frango-d'Água"... lá no Mutum. Dos quatro irmãos Dito é aquele que lhe é mais próximo. Há um companherismo estabelecido entre eles e Miguilim admira a maturidade e sabedoria de Dito.
A rudeza das relações dos adultos para com as crianças é evidenciada ao longo de todo o conto e a figura do pai é, particularmente, assustadora. As brigas deixam Miguilim sempre muito assustado, frágil e temeroso. Os transtornos da natureza são vistos como avisos da ira divina pelos desatinos dos adultos. Vovó Izidra é poderosa , sobretudo nas rezas, nos conselhos sobre a saúde das crianças e na resolução dos conflitos familiares.
Mãetina, que é uma agregada da família, negra velha com história de alforriada, gosta de cachaça, meio caduca e tido como feiticeira, é uma referência amorosa na vidinha seca de afeto de Miguilim. Vovó Izidra, vasculhava os guardados de Mãetina, catava e queimava os "calunguinhas" que ela entalhava em toquinhos. A vó dizia que eram "santos desgraçados" "bonecos do demo". Uma perigosa mistura de rudeza, ignorância, catolicismo supersticioso e intolerância dirige as atitudes dos adultos e molda os valores das crianças.
A experiência de morte é marcante na miúda vida de Miguilim. Ele elabora a fantasia de sua própria morte. Crê estar tísico e faz até um acordo de tempo de continuar vivo com Deus. As fantasias de Miguilim são guiadas para a morte com medo, mas também como solução. Ele se sente desamparado diante da incompreensão dos adultos e a morte pode se colocar como uma forma de negociar com esta angústia. Mesmo sem clara noção do que fosse a morte, já a percebia como algo negativo, ligado à destruição, ao afastamento. É de se estranhar que uma criança, de sete para oito anos, crie uma idealização da própria morte. Em geral, nesta fase da vida, uma criança experiencia a morte, mediada pela morte de um outro, não necessariamente humano. Todavia, é preciso levar em conta o interessante processo de amadurecimento de Miguilim, sua sensibilidade exacerbada diante das mortes cruéis de bichos que os adultos empreendiam e, particularmente, da insensibilidade deles para com outros viventes não humanos. Quando é de se esperar que a reprodução do processo de dureza da vida rural e da apropriação da noção de morte se dê na iteração com os parceiros, onde o grupo familiar, primário, se põe em evidência, Miguilim toma um atalho e elabora, talvez de modo canhestro, sua própria morte. Como "O doente imaginário" de Moilère, Miguilim adoece com a idéia de que vai ficar doente.
A morte não é uma "coisa", não é objeto e nem comporta nos discursos biológicos da ciência. Quando se tenta circunscrevê-la na linguagem, nada mais se está fazendo do que tentar bloquear a angústia do ser humano diante deste incompreensível. Ela se coloca como alteridade absoluta. Como um eu pode experienciar o não-eu? Assim, só se vive a morte de outrem. Morrer não é um verbo que se conjuga na primeira pessoa do presente do indicativo. A tristeza de Miguilim não é com a suposta doença, nem com a idéia de sua morte próxima. Claro que ele tem medo do nunca-mais, da irreversibilidade, do acordo com Deus ser esquecido... A melancolia de Miguilim é, todavia, com a vida. "Ele bebia um golinho de velhice". Decidir que vai morrer, ter uma doença imaginária, negociar com Deus o melhor dia, são convicções que podem ser interpretadas como exercício de uma liberdade interior, sufocada pelas repressões e desencantamento. É um respiradouro que Miguilim elabora para oxigenar a vidinha em hipóxia.
A explicação da vida é sempre a posteriori. É na busca de alguma compreensão desta angústia que pôde encontrar alívio no ato de negociar com esta própria finitude que encaminhamos esta leitura. Encarar a morte, mesmo que fictícia, mesmo como um recurso do imaginário, pode ser, para Miguilim, uma saída para a imposição mortífera e retornar da águas do Estige, tendo enfrentado um limite, com um sentimento de gestão das pequenas e grandes mortes cotidianas.